Pages

quarta-feira, 9 de março de 2011

Contos de um internato: Conto 2

            A localização do internato é um grande mistério. Todos que tentaram fugir ou encontrá-lo acabaram desaparecendo, muitas vezes, por tanto tempo que acabavam esquecidos. Pensara eu, na época em que era um ordeiro estudante, que apenas pais severos mandariam seus filhos para um lugar que não têm o menor conhecimento, ou, deixando me levar pela imaginação, poderia afirmar que esses responsáveis foram enfeitiçados e, assim, forçados a mandar suas crias para um abismo, onde poucos têm a capacidade de sobreviver. 
             O pouco que tenho conhecimento é o fato de ser um lugar isolado e escondido, embora o tamanho seja descomunal. Conjeturo que as terras ao redor são ermas, contudo, como disse anteriormente, a única coisa sólida sobre o internato é justamente não ter nada previsível, compreensível ou estável em relação a ele. Ocupando uma vasta área, essa espelunca se encontra ao centro de uma floresta. Floresta das chuvas, assim ela fora nomeada. A origem e o motivo da escolha da nomeação me são desconhecidos. Entretanto, diante de tantos anos que perambulo por estas áreas amaldiçoadas, posso até afirmar que esse nome fora fixado há quatrocentos anos. O lugar é como um grande labirinto escuro e úmido. Diversas criaturas vivem e sobrevivem naquela floresta. Uivos, pios e rugidos são alguns dentre os vários sons que se propagam pela floresta e, assim, pelo internato também. 
               Em si não é um lugar perigoso, depende da pessoa ou da coisa, do horário... E das intenções.
3 de fevereiro.

A história desse dia é sobre Kevin Collins, um nerd do internato. Sem querer perder muito tempo, protelando sobre as características desse alienado humano,ele tinha cabelos pretos, curtos e espetados, olhos castanhos, pele pálida, espinhas dominando 70% do seu rosto, dentuço, lábios rosados, dono de um corpo franzino e magro e, para finalizar sua aparência bizarra, havia seus óculos redondos com aros pretos.
             Na realidade, Kevin nunca fora nerd, o chamavam assim por causa de sua aparência e por seu comportamento autista. Um de seus hábitos era o de escrever na carteira frases estranhas e inteligíveis.
            O horário de recolher é ás sete da noite, mas em toda a minha estadia nessa miséria, esse horário era desrespeitado por quem quisesse, ou por quem achasse conveniente. Depois das sete, todas as luzes são apagadas e todos os funcionários retiram-se. A ronda noturna no internato pelos alunos é proibida? Se não fosse, não existiria horário de recolher! Ora me compreendam, andar sozinho pelo internato à noite não é uma decisão muito inteligente e, em alguns casos pode ser a última decisão de algum idiota. Mas ninguém não dava a mínima para isso. -Será que eles eram ignorantes assim naturalmente, ou eles se esforçavam?! – Se eles não davam, não seria eu quem daria. Por mim, danem-se. Morram á vontade, contanto que não perturbem meu sossego.  Mas era isso que acontecia, afinal! Aqueles gritos à noite incomodavam e muito! Concentrar-se em algo enquanto gritos frenéticos irrompem pela noite, assolando sua mente, é impossível. O quê eu não daria para que algum deles se engasgasse enquanto estivessem gritando. Seria uma cena adorável.
               O nosso nerd, o Sr. Collins, era um dos alunos retardados que costumavam sair à noite. Por quê? Eu não fazia ideia. Tentar entender mentes, visivelmente perturbadas, de nerds rejeitados pela família não é o meu passatempo. Esse garoto sumia da minha vista ao sair dos terrenos do internato e adentrar na escuridão aterrorizante da floresta das chuvas. Ele parecia um zumbi percorrendo inutilmente as longas extensões desse lugar. E, cá entre nós, eu não vou muito com a cara de zumbis. Nada contra seres mortos-vivos, mas eu não gostava nenhum pouco desses montes de... Sei Lá.
             Estava anoitecendo, faltavam poucos minutos para que o internato se inundasse de zumbis ou retardados extremos perambulando sabe se lá para onde. A única coisa que eu realmente almejava para aquela noite, sinceramente, era o desaparecimento de alguns dessas pestes. Ó não. Não que eu seja tão maligno assim, afinal, eu não estava falando especificamente de morte. Mas me digam o que vocês, meros humanos que gastam seu tempo lendo tais narrações, fariam se parte de sua vida fosse voltada para a espionagem de vidas medíocres cujos donos nada mais são que pequenos seres nessa grande dimensão? Talvez, vocês não entendam, aliás, é muito cedo para entenderem.
            Como eu previra, ou melhor, como era mais óbvio, os alunos estavam saindo da segurança de seus dormitórios para se aventurarem além de seus próprios medos e de suas próprias imaginações. O internato, ás vezes, presenteava alguns desses aventureiros inconseqüentes com memórias e experiências, que nenhum outro humano seria capaz de compreender ou acreditar. Mas fora escolha da peste querer sair quando era logicamente perigoso. O que fazer, não é?
            Avistei aquele nerd passando pelo grande portão de saída. Aquele imbecíl conseguira percorrer todo aquele caminho sem chamar minha atenção. Talvez eu tenha me entretido demais em meus pensamentos.  O não tão inteligente Sr. Collins voltara para aos terrenos do internato. A fim de quê? Eu não fazia a mínima ideia. Esse garoto era estranho e macabro. Ele aproximou-se da velha fonte que ocupava uma pequena área mais afastada do internato. No caminho, esse idiota sem cérebro do Collins andava feito um retardado, sem querer ofender as pessoas retardadas, é claro. Mas o garoto andava tropeçando em tudo, como se a dor não o atingisse de forma alguma. Ele deve ter esbarrado em umas cinco árvores e umas... Cinco mil pedras! Na parte do tornozelo, sua calça estava encharcada de sangue. Enquanto, seu nariz sangrava consideravelmente. O tempo estava frio, a neblina estava espessa e sufocante. Um belo clima para mortes. Kevin começara a tossir freneticamente, bom, eu até preferia que ele fizesse tal movimento, pelo menos o garoto parecia mais vivo, e não um robô sem reações. O coração dele parecia martelar, parecia que saltaria de dentro do próprio corpo. Não sei o que aconteceu naqueles cinco milésimos que esse perdedor passou fora dos terrenos do internato, mas eu queria muito saber, adoraria saber quem foi o feliz desgraçado que provocaria a morte desse nerd imbecil.
              Quanto mais chegava próximo á fonte, o Sr. Collins acelerava o passo ainda mais, como se sua vida dependesse da água imunda da fonte. Seus óculos já haviam sido deixados para trás quando a pouco tropeçara em uma pedra e caíra com tudo no chão. A esta altura, o jovem Kevin já estava com uma aparência bizarra. Seus olhos adquiriram uma coloração avermelhada, refulgiam como duas tochas ardentes. A fonte começara a brilhar à medida que Kevin aproximava-se e, então, sem demonstrar hesitação, ele mergulhara na fonte. Uma forte explosão de poeira formara-se, propagando um forte odor pútrido, enquanto as roupas amarfanhadas do nerd voavam pelos ares, sendo levadas pelo vento juntamente a seus restos mortais. Kevin Collins fora reduzido a pó.
             Admito, diante de tal episódio, que fiquei decepcionado e deveras surpreso. Eu esperava mais! Estava ansioso por algo que me causasse imensa consternação. Mas não, ele somente virou pó. Mas não me conformei, procurei vestígios de algo mais emocionante. Eu tinha esperanças de ter algo profano escondido nas entrelinhas, aguardando para ser descoberto e, assim, deleitar-me de algo esdrúxulo.
            Próxima a fonte, no caminho ensanguentado deixado por Collins, encontrei um colar, dono de uma opulência que me deixara malicioso. Estava recoberto pelo pó de Collins juntamente a seu sangue coagulado, no entanto, tais “adornos” não diminuíram o fastuoso desenho do colar: Uma bela Náiade, descansando sua beleza sobre uma pedra de cristal. Atrás do objeto pomposo estava a inscrição: “Se me perturbares, cometendo um ato ímpeto, com a morte ou a doença lhe matareis e, assim, desaparecerás desse mundo de uma vez.”
          Meus instintos aguçados me fizeram descobrir que os terrenos desse internato eram casa de criaturas incríveis e, pelo jeito, bastante vingativas. Consegui finalmente desmascarar o mistério daquele nerd! No fim, Collins eram realmente um nerd por saber que essa espelunca abrigava Náiades e por descobrir perfeitamente sua localização, o que explica as frases, ou melhor, coordenadas inteligíveis nas carteiras. Mas, por conseguinte, Collins fora muito ambicioso e cometera um ato que enfurecera tais criaturas imponentes, estas, revidando, colocaram o colar sob poder de Kevin, que fora enfeitiçado e, assim, levado a uma morte digna de vingança.
            Bela história no final das contas.
            O que aconteceu com o colar? Eu pensei que seria altamente conveniente eu guardá-lo. Seria um ultraje deixá-lo jogado na grama embolorada do internato.
(Valéria Coelho)

0 comentários:

Postar um comentário