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domingo, 6 de março de 2011

Para sempre.

       O tempo estava ameno, embora os raios solares, de vez em quando, se mostrassem ardentes e intensos. Lembro-me que estava nervoso, mas não impaciente. Meus pés rebatiam no chão, fazendo um barulho irritante, demonstrando, visivelmente, minha inquietação. Devo ter levantando muitas vezes do banco de madeira do parque, pondo-me, em seguida, a andar pelas extensões do lugar, sempre à procura de algo para me distrair, ou, ao menos, me acalmar.
      Passei horas esperando até que fitasse ao longe, vindo em minha direção, uma figura feminina, cujos longos cabelos ondulados estendiam-se por sobre os seios, escondendo boa parte dos mesmos. Seu andar era leve, dono de passos curtos, mas temerosos. Seus braços entrelaçados, junto ao seu olhar, baixo e envergonhado, demonstravam sua imensa timidez.
      Aquele jeito singelo me agradava, não demorara até que um largo sorriso se sobrepusesse em meu rosto. Caminhei na direção de minha esperada companhia, para que pudesse usufruir mais tempo ao seu lado. À medida que eu me aproximava, era impossível não perceber como aquela pele macia e branquinha realçava com um simples risco de luz solar, que brilhava, tornando-a pálida.
        Finalmente a alcancei e pude deleitar-me de tanta candura. Afinal, era isso que eu mais admirava em Maria. Seu poder de propagar paz com apenas sua presença, com um olhar, com um sorriso... e, para mim, com apenas o som baixo e doce da sua respiração.
       Não me glorifico por meu passado. Não fora um dos melhores. Eu não era uma pessoa boa, muito menos gentil, pelo menos, até conhecer ela, a dona de meus sonhos, da minha mente, do meu coração... a minha dona, ou... até partir seu coração de forma repugnante.
       Entrelacei meus dedos nos de minha amada, enquanto encarava aquele sorriso reconfortador que se formava em seu rosto.
      Naquele momento, eu podia afirmar.
      Eu tinha certeza.
      Eu era o homem mais feliz do mundo.

     Lágrimas transbordam de meus olhos e ocupam meu rosto com essas lembranças.
     Não por eu não ser homem o bastante para ser forte e aguentar tudo, mas eu sou homem o suficiente para sofrer por isso, por ter perdido a única coisa que me sustentou do modo mais puro e revigorante, em toda minha vida.

    Era 11 de setembro quando aconteceu. Maria viajara para o interior de sua avó, pois essa estava enferma, dona de uma grave doença, a qual não tenho conhecimento. E Maria, claro, com todo seu amor, não deixaria sua avó ao relento sem seus cuidados.
     E, assim, Maria se foi, deixando-me sozinho, apenas com a lembrança do seu suave perfume de cerejeiras, que ficara impregnado em minha roupa ao darmos nosso último abraço. Não soubera eu, que esse abraço, realmente, seria o último.
     Fazia algumas horas desde que minha amada viajara e, estava eu, esparramado em meu sofá, encarando teto, ao mesmo tempo em que minha mente se inundava com os mais variados pensamentos e devaneios, e todos estes, por mais aleatórios que fossem, sempre mencionavam minha eterna Maria.
      Duas batidas soaram por minha casa, libertando-me de meu estado inerte. Levantei, meio atordoado, em direção à porta de carvalho e a abri, logo deixando à mostra uma pessoa inesperada, Sophie.
     -Quanto tempo. – Pronunciou aquela figura esguia, não se preocupando em esconder o sorriso malicioso de sua face. – Posso entrar?
    Simples palavras, mas que se tornaram tão repugnantes e cheias de cinismo.
    Eu poderia ter recusado.
    Eu devia ter recusado.
    Mas não o fiz.
 
    Aquela noite, eu cometi o pecado, que era tão comum em meu passado. Aquela garota, Sophie, seduziu-me de uma forma diabólica. E meu deu, o que, certamente, Maria nunca me daria, ou nunca teria coragem para dar.
    Senti-me enojado como nunca me sentira. Eu era dono de um nojo imenso por mim mesmo. Como eu pude?

      A notícia correu tão rápida como raio. Não demorou até que chegasse aos ouvidos de Maria. As suas expressões até hoje me assolam. Meu coração apertou e perdi o fôlego quando fitei tanta morbidez e tristeza no rosto de minha amada. E eu nem tinha o direito de sentir isso, já que fora eu mesmo que causara tal sofrimento.
     Todos começaram a me odiar com todas as forças possíveis, e eu não os culpava. Estavam totalmente certos. Desde aquele dia, Maria nunca mais falara comigo e eu mesmo não era dono de coragem suficiente para falar com ela. Eu não sou tão ignorante a esse ponto.

   Passados dois meses, eu estou aqui, naquele mesmo parque, onde tive a certeza que Maria era minha vida. E, agora, apesar de tudo que causei a minha amada, tenho a absoluta certeza que ainda a amo como nunca amei algo.
     Eu encarava a calçada gélida e cinzenta do parque, enquanto brincava com meus dedos, quando passos leves soaram por toda parte. Relutante, levantei meu olhar e deparei-me com a figura que menos esperava ver naquela hora, ou melhor, que não esperava mais ver.
   Maria aproximou-se de mim, com expressões tão serenas que, involuntariamente, um sorriso formou-se em meus lábios. Segui em sua direção e parei juntamente a ela.
   -Eu queria falar com você. – A voz calma e doce de Maria atingiu meus ouvidos, reconfortando-me.
   -O que você quiser. – Respondi, abobado com a visão daquele sorriso.
   Ela suspirou.
   -Eu sei que tem sido difícil... Não só para mim, mas para você também. – Ela fechou os olhos, dando a impressão de repassar um diálogo em sua mente. – Não quero que esse fato nos impeça de continuar nossas vidas. – Ela me encarou. – Eu te conheço o suficiente para reconhecer que está com a consciência pesada...
     -Maria... – Meu tom de voz saiu abafado e temeroso.
     -Eu quero livrar-lhe desse fardo. – Ela esboçou um sorriso. Mas não somente um sorriso, fora um sincero e decidido. – Esqueça o que aconteceu. Siga sua vida.
     -Você está me perdoando? – Hesitei. – É isso?
     Ela assentiu e, lançando-me um último olhar e um último sorriso, virou-se e seguiu pelo caminho de onde viera.
    E encarando-a. Encarando aquela figura, dona de todo o meu amor, eu tive, dentre tantas as certezas que eu tive ao conhecer ela...
      Que eu a perdi...
                                                                    Para sempre.

Quando Maria finalmente conseguiu livrar-se da dor que o amado lhe causou, ela também conseguiu livrar-se do amor que nutria pelo mesmo.

(Valéria Coelho)

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